domingo, 24 de janeiro de 2016

Veronica Lake e o seu olhinho tapado

Talvez hoje não seja muito lembrada. Não é tão iconica quanto Rita Hayworth ou Ava Gardner. Porém, Veronica Lake, uma das femme fatais por excelência do cinema, foi, no seu auge, tão ou mais famosa quanto as outras divas.





A sua carreira não é muito longa e os seus talentos de atriz são "ok". Porém, a sua imagem é muito singular e glamorosa. Quem lançou a ideia sensual do olho tapado foi esta estrela. Sem grande qualidade dramática, sem nenhuma beleza estonteante, mas com uma imagem de marca fascinante.

Veronica Lake foi, ao pé de Alan Ladd, a grande diva do noir e constitui com o ator a maior dupla deste género (até chegar Bogart com Bacall, dupla que se tornou o paradigma do noir). Não é que eu goste muito de nenhum dos noirs de Veronica e Allan em especial. Porém isso não retira qualidade aos seus trabalhos. O primeiro foi This Gun for Hire (1942), um noir poderoso e de qualidade apreciável. Suspense, crime, negritude, pessimismo. Está lá tudo. O filme é bastante lembrado, mas não se pode dizer que seja iconico. A química entre Allan e Veronica cria faísca e a tensão erótica entre os dois é misturada por uma doçura inocente que tornam a dupla tão singular. Os dois casam muito bem: são loiros e baixinhos. Ele sabe representar. Ela é glamorosa. Há um equilibrio apreciável.

Veronica Lake e Alan Ladd


Embora This Gun for Hire seja um bom noir, o papel de Veronica não é impactante. Aí está o problema da moça nos filmes negros que fez com Alan. Ela nunca tem um papel muito interessante. Gilda, Cora, Kittie e, como não referir, Phyllis, são personagens fabulosas. Mas as de Veronica não. Na verdade, devo acrescentar também que ela nunca faz de femme fatal. A sua imagem é vendida como tal. No entanto, as suas personagens não conduzem o herói à destruição. Muito pelo contrário. De facto, em This Gun for Hire e The Blue Dalia (1946), Veronica ajuda Alan a resolver as perigosas situações que o envolvem.

Veronica fez mais dois noirs com Alan: The Glass Key, de 1942, (confuso mas apreciável) e o já referido The Blue Dalia (leve, não fascinante mas agradável). É importante dizer que este último já foi realizado numa altura em que a carreira de Veronica não estava na melhor fase e nunca mais voltaria a ser a mesma. O seu age foi a primeira metade dos anos 40, onde entrou em maravilhosas películas. Na segunda metade da década, a loira só faria de jeito The Blue Dalia, onde, ainda por cima, já não apresenta o mesmo magnetismo. Isto porque a sua bela franja já não esconde o seu olho.


Imagem (publicitária?) de The Glass Key

Imagem (publicitária?) de The Blue Dalia




Se Veronica foi diva nos noirs, também não se pode dizer que a loira não tenha brilhado nas comédias. Sinceramente, eu gosto mais de vê-la neste género, o que é provavelmente justificado pelo seu melhor filme ser Sullivan's Travels (1941). Este é, de facto, uma obra-prima. Screwball, ligeiramente melodramática e com muito sex appeal (mais por parte da personagem masculina, Joel McCrea, do que pela própria Veronica), Sullivan's Travels é adorado por muitos, ainda que devesse ser mais falado. É o filme onde Veronica se encontra mais bela. O cabelo comprido, ocultando um pouco um dos olhos, é tão poderoso que inspirou o poster do filme (o meu poster favorito de toda a história do cinema).

I married a Witch (1942) é uma franjinha comédia, mas agradável de assistir e demonstrando uma maravilhosa Veronica (para mim, ela tem aqui o seu melhor desempenho).


Poster de Sullivan's Travels



Cena de Sullivan's Travels, onde Veronica mostra o seu talento (ainda que seja uma atriz limitada) para a comédia

Uma das cenas mais famosas do mesmo filme


A bela Veronica


Ela aparece a maior do tempo de mendiga, o que é uma pena, visto estar tão glamorosa nas restantes cenas




Veronica era, julgo eu, uma das estrelas mais rentáveis da Paramount e tinha o mundo aos seus pés. Além de ter entrado em filmes que são indiscutivelmente apreciáveis em termos académicos e de gosto do grande público, a mulher conseguiu que um monte de norte-americanas copiassem o seu corte de cabelo. Isto  é maravilhoso para uma estrela, não visse esta o seu reconhecimento como tal através dessa espécie de homenagem. Porém, as coisas não podiam ter sido pior para a pequena (literalmente) Veronica. A mulher do cabelo dourado e da cara angulosa viu-se como uma espécie de destruidora do bom funcionamento no local de trabalho das suas fãs. Por copiarem o seu visual, as operárias das fábricas cometiam acidentes enquanto trabalhavam. O olho tapado não era uma boa opção para essas mulheres.




Cena de I married a witch



Ora, de forma a resolver-se o problema, decidiu-se que Veronica deveria pentear o seu cabelo de outro modo. A Rita Hayworth quase assassinou a sua imagem de estrela quando viu o seu cabelo cortado em The Lady from Shanghai. É certo que voltou a deixá-lo crescer. Porém, a imagem que teve em Gilda nunca mais se repetiu.
Com Veronica foi pior. Além de alterar (julgo que tambó´rm cortou) a sua imagem de marca, a mulher viu-se com um novo e terrível penteado. Nada a seu favor. 

O cabelo bonito e o olhinho tapado


Beldade


Veronica Lake muito Lake

Imponente

Misteriosa

A sua essência no cabelo


Não! Porquê?


Este corte já não é aquele que foi revelado com sendo o novo penteado de Veronica (foto acima). Sempre é melhor



Aqui está o vídeo que revela o acontecimento do corte de cabelo









Veronica não era tão bonita quanto Rita e, tendo um penteado nada harmonioso (ainda que estivesse na moda), perdeu a sua essência. Felizmente, podemos acreditar que a sua mudança de visual permitiu que os acidentes nas fábricas terminassem.
















Veronica e Rita com os penteados modificados

















Nos anos 50, Veronica já pouco dizia em Hollywood.




Por volta dos anos 60, penso eu, foi encontrada a trabalhar como empregada de um Hotel. Problemas alcoólicos e financeiros tornaram a sua vida bastante amarga.

Uma já não estrela Veronica Lake junto ao estúdio que a converteu num ídolo de Hollywood





Felizmente, chegou a escrever a sua auto-biografia, que, dadas as boas vendas, lhe garantiu alguma estabilidade.



Veronica não era convencida e sabia que a sua carreira não era brilhante. Isso revela que a mulher, embora difícil, não era uma megéra. Algumas das suas citações mostram um lado humano deveras agradável:

I wasn't a sex symbol, I was a sex zombie.

Hollywood gives a young girl the aura of one giant, self-contained orgy farm, its inhabitants dedicated to crawling into every pair of pants they can find.

[on Alan Ladd] Alan Ladd was a marvelous person in his simplicity. In so many ways we were kindred spirits. We both were professionally conceived through Hollywood's search for box office and the types to insure the box office. And we were both little people. Alan wasn't as short as most people believe. It was true that in certain films Alan would climb a small platform or the girl worked in a slit trench. We had no such problems together.

[on Marlon Brando] Our romance was short but sweet. He was on the dawn of a brilliant film career, and I was in the twilight of one. Of course, my career could never compare with his.

I think I've developed into an actress because I've worked darn hard at it and I've learned a great deal from a lot of gifted people. And if I have nothing else to show for my life, apart from a scrapbook full of cuttings, I have the knowledge that my early days in Hollywood weren't in vain.



Uma carreira com poucos títulos, mas pautada pela qualidade e pela fascinante presença de uma mulher magra e baixinho que deambulava com o seu cabelo caído como um fantasma. O corte deste abalou o resto da sua vida. O que eu não entendo é por que razão não lhe fizeram um penteado mais bonito ou semelhante ao que tinha. Ou então cortavam só a franja. Desse modo, ficava tudo na mesma, ou quase. Poderia ter ficado com o penteado como Rita. Acredito que assim a sua essência não desapareceria. 

Veronica Lake vai ser sempre conhecida por esse cabelo maravilhoso que cobria o seu olho, mesmo que o tenha visto destruido em plena carreira de sucesso. E mesmo que esse sedoso cabelo loiro tenha sido vandalizado,  a personagem da Jessica Rabbit só prova a influência que a imagem de marca de Veronica conheceu e conhece ainda hoje.


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